A voz do Nubank — um estudo de UX Writing
Estudando a Brand Voice e o tom de voz da empresa para aplicá-los a um projeto de melhoria para o app
Se preferir, pode visualizar um resumo do projeto aqui.
O Nubank
O Nubank é uma fintech que busca oferecer um serviço descomplicado e transparente para resolver a vida financeira das pessoas com simplicidade. Desenvolve soluções simples, seguras e 100% digitais para seus mais de 30 milhões de clientes em todos os 5.570 municípios do Brasil, sendo hoje o maior banco digital independente do mundo.
O Desafio
Em um desafio de UX Design, nosso time procurou uma maneira de facilitar a visualização de gastos e incentivar os correntistas Nubank a alcançar objetivos financeiros, desenvolvendo novas funcionalidades voltadas à gestão financeira pessoal dos clientes em um aplicativo já existente.
Na situação hipotética, fomos contratadas por uma acionista do Nubank que pediu para desenvolvermos uma solução de gestão financeira pessoal. Assim, criamos o NuSave.
Descrevo neste artigo a etapa do estudo em UX Writing, bem como a parte do teste de usabilidade que teve foco em escrita. O case completo pode ser lido aqui.
UX Writing
O UX Writing tem a finalidade de ajudar os usuários a atingirem seus objetivos por meio da linguagem, buscando garantir a melhor experiência para o usuário na sua interação com um produto. Assim, é explorado por empresas que dão ênfase ao design centrado no usuário, como é o caso do Nubank.
Ao se trabalhar com UX Writing é necessário definir diretrizes de escrita que representam a marca. Essas diretrizes são baseadas em princípios de escrita (o que se diz) e de Brand Voice (como se diz). A Brand Voice engloba a personalidade e o tom que definem a marca do produto ou da empresa, apresentando grande relevância para a experiência do usuário.
Princípios de UX Writing
De acordo com um checklist definido pelo Google, existem três práticas que devem ser seguidas em UX Writing e que tornarão mais fácil estabelecer uma conexão com os usuários:
1. Clareza: A linguagem deve ser simples e livre de termos e jargões técnicos. Além disso, deve estar de acordo com o contexto do usuário, focando em ações que ele pode realizar.
2. Concisão: Ser conciso não diz respeito apenas a apresentar frases curtas, mas também eficientes. Para escrever de maneira concisa, devemos nos certificar de que cada palavra utilizada tem uma função a desempenhar.
Dito isso, é importante que se evite a tentativa de preencher um campo de texto pré-existente, devendo-se praticar o content first design, ou seja, criar o conteúdo antes do design. Assim, o design estará alinhado com o que se está querendo dizer e não o contrário.
Ao ler, as pessoas seguem um padrão em forma de F conforme analisam a tela: leem as duas primeiras linhas e começam a pular as outras, lendo apenas a primeira ou a segunda palavra de cada frase. Dessa forma, é importante que o texto seja não apenas conciso, mas que as informações mais importantes estejam em primeiro lugar — técnica chamada de frontloading.
3. Utilidade: As informações repassadas ao usuário devem ser relevantes e devem orientá-lo a respeito do que deve fazer após a mensagem que receber. Uma frase de call to action (CTA) orienta as pessoas para a próxima etapa, e é de interesse da marca que o texto as ajude a chegar onde querem.
É importante ressaltar que os princípios não estão sempre em harmonia, pois competem entre si. Para encontrar o balanço correto, deve-se levar em consideração o contexto dos usuários, pensando no que eles querem fazer e onde querem chegar. Além disso, é importante se atentar à voz da marca (Brand Voice), pois ela deve criar o equilíbrio certo entre clareza, concisão e utilidade e refletir uma personalidade única.
Brand Voice e tom de voz
Cada palavra utilizada contribui para a forma como se comunica algo ao usuário e a voz da marca, ou Brand Voice, é o meio pelo qual se expressa a personalidade da marca, fornecendo o suporte para a consistência do conteúdo e da cultura da marca.
Com ela, a marca conta aos usuário como se sente com relação à sua mensagem, e isso influencia a maneira como os usuários se sentem em relação à mensagem recebida. Assim, é importante a definição da Brand Voice, uma vez que se mais de uma é apresentada, pode-se criar uma crise de identidade e confundir o público. A voz deve ser consistente e ajudar as pessoas a identificarem a marca, devendo ser uma constante em todo o material apresentado, como o conteúdo do site, publicações em mídias sociais e material de marketing.
Se a voz da marca representa a sua personalidade, o tom de voz pode ser equiparado à sua atitude. Dessa forma, o tom de voz é um pouco mais maleável e diferentes tons podem ser adotados dependendo do contexto, do meio pelo qual a marca se comunica e do público com o qual está se falando. Assim, as diretrizes referentes a tons de voz devem prescrever o modo como se comunica algo em diferentes situações e não encorajar o uso de um único modo de se transmitir uma mensagem para todos os casos, uma vez que é importante adequar o tom à voz e ao propósito da mensagem que se quer passar.
O Nielsen Norman Group publicou um artigo com as 4 principais dimensões do tom de voz, que são:
Funny x Serious (Engraçado x Sério): Aqui vale notar se quem escreveu a mensagem está tentando ser engraçado ou se apresenta uma abordagem séria sobre o assunto.
Formal x Casual: O assunto é apresentado com uma escrita formal ou casual? Importante mencionar que casual e coloquial não são necessariamente sinônimos, mas costumam aparecer juntos.
Respectful x Irreverent (respeitoso x irreverente): O assunto é abordado de maneira respeitosa ou irreverente? Note-se que o texto ser irreverente diz respeito à abordagem sobre o assunto (em um esforço de diferenciar a marca dos concorrentes) e não ser irreverente ou ofensivo para o leitor.
Enthusiastic x Matter-of-fact (entusiasmado x prático/direto): O autor do texto parece entusiasmado com o assunto ou a abordagem é direta e prática?
O tom de voz pode se encontrar em algum dos extremos de cada dimensão ou em algum ponto no espaço quadridimensional entre eles.
Analisando a voz do Nubank de maneira geral, identificamos que ela é moderna, simples, direta, transparente e humana. A seguir foi feita uma análise do tom de voz do Nubank para alinhar a mensagem do NuSave com a da marca:
A voz do NuSave
A voz da marca é extraída da estratégia de conteúdo e busca unificar as conversas com os usuários. Como o NuSave foi pensado como uma extensão de um aplicativo já existente, tínhamos que ter em mente a identidade do Nubank ao pensar nos textos que apareceriam na interface.
O microcopy, ou microtexto, é qualquer texto que aparece na interface e busca transmitir uma mensagem ao usuário de forma clara ao mesmo tempo em que ajuda a compor a percepção do mesmo em relação à marca. Ele pode aparecer em botões, formulários, campos de instrução, e sua mensagem deve ser transmitida de forma concisa e clara, sem perder personalidade. O Nubank faz uso de perguntas diretas ao auxiliar o usuário na realização de uma ação, e os textos auxiliares apresentam um tom um pouco mais formal, pois possuem o intuito de guiar o usuário e ajudá-lo a tomar uma decisão fornecendo informações. A tabela de voz desenvolvida por Torrey Podmajersky é uma grande aliada ao se fazer um microcopy.
A tabela de voz (voice chart), é um guia importante para que o conteúdo esteja alinhado com os objetivos da organização e das pessoas e pode ser usada como uma ferramenta de decisão.
Depois de analisar a Brand Voice do Nubank, decidimos montar uma tabela de voz para o NuSave com o intuito de ajudar todos do time a buscarem a mesma coisa e promover um alinhamento com a voz do Nubank.
A tabela contém cada princípio do produto em uma coluna e, para cada princípio, cada um dos seis aspectos da voz é definido em uma linha diferente: conceitos, vocabulário, verbosidade, gramática, pontuação e maiusculização (capitalization).
O que está determinado em cada coluna se relaciona com o princípio do produto na parte superior e não precisa ser igual de uma coluna para outra. Ainda que na mesma linha, duas colunas podem se contradizer ou se complementar.
Os Princípios do Produto são tudo aquilo que se espera que a experiência seja para os usuários, e a voz pode fazer o trabalho transmiti-los. Assim, decidimos que as palavras que gostaríamos que os usuários usassem ao falar do NuSave são: eficiente, descomplicado e intuitivo.
Conceitos são as ideias ou tópicos que a organização quer enfatizar em qualquer oportunidade que venha a surgir. As ideias refletem a função que a organização deseja que a experiência tenha na vida das pessoas.
A linha de vocabulário não configura uma lista completa de palavras utilizadas no design. Nela, especifica-se apenas poucas palavras que são tão importantes para a experiência que ajudam a identificar sua personalidade, e não a lista completa de palavras ou terminologias usadas no design.
A linha relativa à Verbosidade se refere à regra estabelecida para determinar o tamanho do conteúdo que deve ser apresentado. As palavras dentro de uma experiência não podem atrapalhar o caminho das pessoas, então é necessário tomar cuidado com a extensão dos textos apresentados. Um texto muito extenso onde muitas palavras são esperadas pode impedir o usuário de avançar nas suas tarefas tanto quanto usar muitas palavras onde poucas palavras são esperadas.
A linha Gramática traz a diretriz a ser seguida com relação a estruturas gramaticais que deverão ser utilizadas para cada princípio. Normalmente estruturas simples funcionam melhor para a maioria das estratégias, mas deve-se definir quais seriam as melhores para cada caso.
Pontuação e Maiusculização (capitalization) se referem às diferentes pontuações que podem ser utilizadas num texto, bem como a utilização de letras maiúsculas e minúsculas. Sua menção na tabela de voz é importante, umas vez que podem gerar diferentes reações e sentimentos. Usar todas as letras em Caixa Alta (All Caps), por exemplo, faz com que pareça que se está gritando com os usuários e reduz a legibilidade.
Abaixo, trazemos a tabela de voz que confeccionamos para o NuSave:
A tabela de voz, então, apresenta as diretrizes para todos os textos no geral, mas, em contextos diferentes, falamos com tons diferentes.
Apresentamos a seguir o espectro de tom concebido para o NuSave relativo a uma das 4 dimensões do tom de voz (entusiasmado x prático/direto) com base na jornada do usuário:
Após termos elaborado os textos que iriam aparecer no protótipo dentro dos parâmetros mencionados anteriormente, utilizamos a ferramenta Hemingway Editor (hemingwayapp.com) para nos certificarmos de que as frases concebidas eram simples e de fácil compreensão. De acordo com o próprio site da ferramenta, o ideal é que o texto apresentado seja compreensível para alunos da 9ª série para baixo. No caso do NuSave, algumas frases se enquadraram na 3ª e outras na 4ª série, tendo o score geral atingido a marca da 4ª série. Assim, pudemos ver que o texto seria compreensível para um número expressivo de usuários.
Teste de usabilidade
O segundo teste de usabilidade do NuSave foi realizado com 11 pessoas e foram propostas 7 tarefas, 3 na parte de guardar dinheiro e 4 na parte de gráficos. Ao final, fizemos, ainda, um questionário com algumas questões voltadas à parte de UX Writing. A plataforma utilizada foi a maze.co e, assim, o teste foi realizado de forma remota e sem a necessidade de se fazer ligações ou de o usuário compartilhar sua tela conosco — foi enviado o link do teste para as pessoas que nos forneceram seu contato na fase de pesquisa quantitativa e qualitativa, bem como para quem participou do primeiro teste de usabilidade.
Após a conclusão das tarefas, pedimos para os usuários responderem algumas perguntas relacionadas à interface e também voltadas à parte escrita para descobrirmos se os textos estavam condizentes com a voz do Nubank sob o ponto de vista dos usuários, se a mensagem que eles traziam estava clara e também se o tamanho da fonte estava adequado. Neste artigo vamos focar nas respostas relacionadas à escrita — o case completo pode ser lido aqui.
A maioria dos usuários que responderam às perguntas assinalaram que os textos apresentados pareciam pertencer ao Nubank e que as diretrizes e informações fornecidas estavam claras e auxiliaram na execução das tarefas.
O resultado do teste mostrou que os textos, no geral, fazem sentido e ajudam os usuários a navegar corretamente no protótipo. No entanto, algumas correções são necessárias, como a parte de edição na função gráficos.
Assim, pensamos que futuramente seria interessante promover testes A/B para encontrar a melhor maneira de apresentar algumas funcionalidades no protótipo, bem como um novo teste de usabilidade com enfoque nas partes problemáticas.
O case completo pode ser lido aqui.